"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." - Charles Bukowski

29.8.12

Olhos negros



Depois de seis meses finalmente resolvo ceder aos seus convites. Combinamos de almoçar no shopping que ele trabalha, amanhã. Vou ter que ir até Porto Alegre para um compromisso pela manhã, já aproveito pra revê-lo. Mas a mágoa ainda não passou. Meu coração ainda está ferido ainda sinto-me usada. Sei que o sentimento que ele nutre por mim é verdadeiro, porém algo sempre me alerta para a possibilidade dele tentar tirar proveito de mim. Não sei ao certo o que ele pretende. Já me disse que não quer namorar, eu já pensei na possibilidade confesso. Acho desafiador andar com ele a tira colo. Um "Negro" lindo, corpulento. Por vezes acho que sou eu a abusar dele.

Um menino em um corpo de homem. Travando por vezes as mesmas guerras que eu. Ele quer trabalhar em uma grande corporação, ganhar bem. A sociedade conseguiu atraí-lo com suas teias, ele acha que um bom salário lhe garantirá felicidade. Ao passearmos pelo Iguatemi eu lhe digo: eu prefiro à autonomia à estabilidade. Ele me responde: é bem teu tipinho: mandona! Fico pensando, é bem meu tipinho mesmo, mas prefiro à autonomia de poder mandar em mim à estabilidade de um bom salário, que me confina, me engessa. Eu lhe digo: já pensei assim, e lhe mostro a língua.

Mandei uma mensagem ao chegar no shopping: estou na frente da cultura. Quando o vi chegar, não era ele, era  outro. Eu era outra. Ele não me olha mais como antes, me olha sem interesse, sem curiosidade, como pode ainda querer me ver?  Se me vê e não me enxerga? Será que eu o enxergo? Já o julguei errado tantas vezes. Já pensei que ele só queria festa e vida mansa. Mas não, terminou o curso técnico, e antes do fim já era funcionário de carteira assinada. Um bom estágio, lhe rendeu frutos.

Aqueles olhos tão negros já me disseram tanto, hoje não me dizem nada, será que é o meu reflexo? Será que meu olhar também mudou? Queria por um instante voltar a noite que nos vimos pela primeira vez e vê-lo passar de novo com aquela camiseta branca, ouvir de novo sua voz grossa em meu ouvido, mas principalmente ter aqueles olhos cheios de esperança e curiosidade a me enxergar novamente.

E nos despedimos de volta na cultura, como dois estranhos que nos tornamos. Porque talvez sejamos isso dois novos estranhos. E a cada novo reencontro seremos estranhos novos.



Um comentário:

  1. Ou seja... não tao estranhos assim, já que ambos entenderam que haverá - !!! - novos encontros!

    Gostei!

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